Quando fiz a minha primeira terapia há muitos anos atrás senti-me tão bem, que achei que tinha descoberto «o caminho». Tinha acessos de verdadeira sabedoria e maturidade e subitamenre as pessoas para mim deixarm de ter mistérios. fazia diagnósticos à maluca, era tudo tão fácil. Apetecia-me pegar em todos os deprimidos, os complicados, aqueles que nos trazem incansavelmente problemas sem saída, aquerles que repetem padrões de relação destrutivos, e metê-los á força em terapias, obrigá-los a falar, a confessar, a viverem explosões catárticas, a explorarem segredos, paranóias, medos, e por aí fora. «Só está mal quem quer»,pensava. e também: «quem não fala é cobarde, quem não enfrenta não tem perdão». Anos passados, até fico envergonhada: quanta ignorância, meu Deus, não há nada mais revoltante, prepotente, invasivo e arrogangte do que obrigar uma pobre velhinha a atravessar a rua porque sim, porque é melhor para ela, porque é bom para a tosse dela, e afinal os preguiçosos têm o que merecem e os medrosos também, a cobardia paga-se caro, etc, etc. Quanta arrogância e ignorãncia, meu Deus.
Se há coisa por demais importante que aprendi nestes últimos tempos é a sensatez de calar a boca perante aquilo que tomamos por «fraquezas» dos outros. Essencial ter respeito pelos seus medos, reconhecer a legitimidade e a necessidade das suas defesas. O medo pode ser um instrumento básico de sobreviência. As pessoas acham, e têm todo o direiro de acreditar nisso, que falar das suas mágoas terríveis pode desintegrá-las. Negar o sofrimento não é cobardia mas uma forma última de protecção. E todos temos direito a protegermo-nos.
Temos direito a escolher. Escolher ficar calado, escolher inventar desculpas, escolher ser «mais forte» dos que a tristeza, escolher tentar a nossa sorte e deixar que a má onda passe.
Liberdade é a única coisa que nos resta. Querer resolver os emaranhados das emoções que nos dominam ou desfazer os nós que nos torcem por dentro e compreender a «coisa», o animal selvagem que vive no fundo de cada um de nós, não nos faz heróis nem sábios especiais. Quando muito, quando decidimos (porque é de uma decisão pessoal que se trata) explorar as sombras para descobrir a luz e o sentido, podemos agradecer a sorte que nos coube. É uma sorte ter este gosto, esta mania, esta apetência, este prazer em passar para o lado de lá e procurar a chave. Uma demanda da chave preciosa que nos abre a porta da vida. Uma mania como outra qualquer que, aqui para nós, dá muito, muito jeito.
Mas, simplificando, se encontrou a sua verdade nos prazeres e lágrimas das terapias por favor não se intrometa na vida dos seus amigos deprimidos, não os aconselhe a vasculhar no seu passado, não os faça sentir estúpidos ou cobardes porque não se atrevem a assumir o sofrimento e a necessidade obvia de ajuda. Fique calado, em silêncio que acolhe e não julga. Na dúvida, o silêncio, empático e não critico, já se vê, é o remédios possível, o melhor que se pode arranjar. É proibido viver a vida dos outros.
Tão verdade ♥
ResponderEliminarÉ mesmo isso querida Ana!!!... e às vezes até parece que é tudo tão facil...e, depois vai-se a ver e afinal a transparência turva-se.
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