sábado, 5 de novembro de 2011

Vespas e grupanálise

no fundo do corredor abri uma porta e ouvi um barulho estranho; um zumbido? pode ser um zumbido? dentro de casa? na janela as vespas «acotovelavam-se», para cima e para baixo, a falarem daquela maneira arrepiante, sussurrada, afiada. Pensei voltar para trás mas o meu lado que sonha com perigos e confrontos, para mostrar não sei bem a quem de que sou capaz de coisas difíceis, e também ,porque não? uma pontinha de sadismo e destrutividade, fez-me voltar atrás e tirar um sapato, naquele quarto do fim do mundo, teias de areias e luz filtrada pela sombra escura das vespas. atirei-me a elas com raiva e com medo. E quando comecei a vê-las cair no chão, fiquei...não sei..... grande vitória a minha, vespas perigosas esmagadas no chão.
 Voltei para trás e entrei no corredor enorme, pensei que vejo o mundo de dentro de uma casa, que é a minha casa, o meu mundo e a minha história. Há casas, não todas, que mexem comigo e me levam para trás, de repente, e esta tomou conta de mim rapidamente. Senti a sua tristeza densa, com um passado imenso dentro daquelas paredes, uma casa que se desmorona e que leva consigo toneladas de vidas passadas, uma casa que se esboroa, plena de silêncio e tristeza. Nos corredores moram ideias, memórias, lagrimas, riosos, esperanças e tudo. Acho que chamam por mim. Não me importo. A manhã começou mal, acordámos talvez todos entranhados daquelas memorias tristes coladas ás paredes dos quartos - que parecem ter mil anos e contudo dir-se-ia que ainda ontem foram usados, as camas e os cobertores parecem ter sido mexidos. Embirrar uns com os outros logo de manhã é delicioso. Promete. E assim, de hora a hora o tom sobe, e o ar carrega-se. Saímos, entramos, voltamos a sair, inventamos mil pretxtos para não discutir mas ao cair da noite, basta um mal-entendido e a casa explode. Cada um traz os seus medos, acusações, amarguras. Cada um conta a sua história e há ameaças extremas no ar. De repente, naquela fortaleza longe do mundo, sentados numa sala dourada e um piano caladissimo, atiramo-nos uns aos outros e eu, a grande passiva que assassinou mil vespas hás umas horas, voltei a deixar subir a fera que dormita, a mesma que pegou no sapato por nmedo e rauiva, e acuso. Acusar é bom porque me dá uma sensação de fazer justiça enfim, de ajustar contas tão antigas que nada têm a ver com o que ali se discute. Com todos, acontece o mesmo. para cima da mesa trazemos razões fúteis mas as nossas mágoas antigas fazem de nós crianças grandes. E por isso gritámos todos fúrias e loucuras talvez por terms dormindo num acasa moribunda. A sua morte anunciada acorda os nossos medos. Projecção, diriam os meus profs. Adoro esta palavra, uma projecção é como um espelho gigante, enorme, que trazemos dentro de nós, e que nos reflecte uns aos outros, que nos obriga a vermos o nosso pior lado no outro. Esse outro, que é apenas um pobre espelho, acaba por pagar por isso sem saber muito bem porquê.
Mas o melhor chegou, enfim. O rebentar dos medos limpou o ar. Ficámos de repente muitos juntos e felizes, ou pelo menos tão perto da felicidade quanto se pode estar numa casa-fortaleza que nem sequer está perto do mar mas no meio do alentejo distante. Um dia quero passar uma noite na fortaleza das Berlengas para sentir o que é o vento bravo na cara. Para ver o mundo através dos barulho do mar. Um dia quero fazer grupanálise em pleno oceano sóp para ver até onde nos leva a fúria das ondas. Um dia querto ver se o afecto renasce depois das mais duras tempestades, fechados na fortaleza. De manhã, a água à volta dela vai estar transparente até quilómetros de profundidade. Debruço-me na janela de pedra e vejo-me nesse espelho sem fundo. Só para ver o que acontece.