quarta-feira, 27 de abril de 2011

Bom dia, outra vez.

Bom, vamos deixar o mergulho e os sentimentalismos para outro dia mais propício. Agora fiquei subitamente muito feliz, conversas na rede, de repente, assim, sem mais nem menos, ainda bem que nasci neste tempo, quer dizer, ainda bem que vivi o suficiente para chegar aqui e assitir a todo este milagre de comunicação instantânea e á distância. Parece coisa de magia, aqui e agora, já, já, em conversa direta com as pessoas que gosto, e assim fica mais fácil, tudo junto num só momento, e as palavras correm e fazem-nos rir. Amanhã, ao pé do rio. Amanhã, sol e planetas, ângulos, trânsitos, adivinhas, os textos e as ideias, as histórias, um milhão de histórias por segundo, como vai ser amanhã, e depois de amanhã?. Como? Como?
Fecho de ciclo, lento fecho de ciclo, e as coisas acontecem encadeadas umas nas outras, ou será que estou mais desperta para identificar coincidências? As viagens ao passado. O passado que volta de tantas formas e que se mostra como nunca se mostrou.
A isto eu chamo sorte. De poder ver alguma coisa que estava na sombra. No meu sotão há uma grande mala velha com cartas, com sacos e sacos de cartas da minha avó e os meus níveis de ansiedade e prazer sobem só de antecipar as tardes maravilhosas que vou passar sentada no chão cheio de pó, com a luz da janela pequena a descer oblíqua sobre os meus ombros, a alumiar as cartas da vovó Júlia. Querida avó, tão neurótica, tão angustiada, acho que saí á vovó dos olhos azuis: «um azul e outro verde», dizia ela, trinfante e a querer impressionar-me.
Hoje, ao ler uns papers sobre narcisismo, descobri que o amor da minha vovó - que por acaso foi redentor e teve papel fundamental na minha sobrevivência, era assim a modos que um pouco narcísico condicionante.
 Envergonhava-me quando mandava parar as pessoas na rua e lhes perguntava com um pouco de arrogância, teatralidade e despudor: «não acham que esta minha neta é a cara da Elizabeth Taylor?». E as pessoas, coitadas, diziam, balbuciavam que sim, que sim senhor, que era «muito parecida». Eu corava, entre o contente e orgulhosa, envergonhada, sabia que as pessoas lhe davam razão porque ela as obrigava. Mas no fundo ficava contente. Ela, descubro agora, gostava de mim porque eu me parecia com a Elizabeth Taylor. Lindo. Se fosse muita feia pergunto-me se a admiração seria assim tanta. Mas sim, ela gostava de mim. Já o meu avô narcisava-se de modo diferente, positivamente. Gostava de mim sem uma única condição que fosse. É bom ser assim gostada. é muito bom. Foi esse afecto que guardei na caixa do tesouro, não foi?Consegui salvá-lo da casa caótica e meti-o dentro de um buraco em forma de pequeno caixão. Tempo depois, quando a casa foi abaixo, fui lá buscá-la, à caixa.

Eu tenho a mania do passado, principalmente daquele passado enterrado num lago transparente nas bordas e escuro no meio. Não sei se sonhei - e acho que talvez - que mergulhava nesse lago que era gelado nas bordas e quente no meio, um sonho entre muitos e eu agora tenho mesmo a mania dos sonhos. Pois o Fernando diz que tentou procurar no fundo da água e não viu nada e eu digo-lhe que é preciso habituar os olhos à escuridão das águas profundas. Quando nos habituamos, as sombras fazem-se objectos, histórias, vozes e acontecimentos. É preciso ficar lá em baixo um tempo para que as sombras se transformem.
Mas há quem não se interesse por isso. Manias são manias. E cada um tem as suas.

Lembro-me do dia em que eu e o meu avô estávamos a pescar sentados à beira do rio. Um peixe grande mordeu no seu anzol e a cana dobrou-se com o peso. Fui ajudá-lo. Ele transpirava de calor e de excitação. Estava muito feliz. O peixe puxava e ele também, e eu desajeitada ajudei-o a agarrar a cana, depois fui buscar um balde e depois...não sei como aconteceu mas o peixe soltou-se e fugiu.
Ainda hoje sinto o desgosto do meu avô. Ficou desiludido como uma criança, ia chorando. Lembro-me sobretudo do esforço que ele fez para não se zangar comigo. Nunca tive uma tão grande prova de amor. Desiludido de morte, disse-me baixo: «não faz mal, deixa». Só tinha olhos para mim.

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