sábado, 9 de julho de 2011

uma gota de água

«Eu, Mário Crespo, adolescente de 64 anos gosto de acreditar que depois da morte a vida não acaba e que nós, gotas de água, voltamos ao mar de onde viemos e fundimo-nos com ele para sempre». Não terão sido exactamente as palavras do jornalista Mário Crespo mas foi qualquer coisa assim que ouvi e que me deixou uma deliciosa tranquilidade. O homem é sensível, e gostei da maneira suave e determinada com que respondeu a Filomena Mónica, que mais uma vez declarou que não senhora, não acredita em nada de regressos de gotas ao mar imenso, porque com a morte acaba tudo. Acaba tudo. Tudo. Já a vi declarar este tipos de certezas de outras vezes, como uma espécie de desafio infantil, como um bater de pé teimoso, como uma adolescente rebelde de quase setenta anos, que teima que não acredita e que afirma isso de forma orgulhosa como se dissesse:«não tenho medo de nada, sou suficientemte forte para afrontar o medo da morte, do vazio, do nada, do fim da esperança, dos afectos, das ligações, das memórias, de tudo». Sou forte, diz ela, mas eu juro que lhe vejo um olhar assustado no fundo dos olhos azuis, eu diria que ela é ainda uma menina pequena, sozinha, desamparada, que mostra ao mundo que afronta o grande adeus da morte afirmando que depois dela nada nos espera, a não ser o nada e a  terra sobre uma caixa de madeira onde ficará o que resta do nosso corpo.
Ela pode até afrontar o medo, até pode esconder a apreensão, e é legitimo que o  faça. Todos temos direito a ter medo e cada um defende-se dele como pode. Mas sinto-me mais perto do «adolescente» Mário Crespo. Acredita que somos gotas de água. Também não faço esforço em me ver como uma gota de água - afinal o que sempre mais gostei de fazer foi mergulhar dentro dela, sentir-me fazer parte dela, sonhar com ela, nadar até ao fundo, rente á areia e sentir a sua frescura. Por isso, nada mais natural que ir ao seu encontro no momento em que tudo acabar. Não sei se será uma uma ilusão mas não, acho que não. Fundirmo-nos com um oceano maior parece-me justo, parece-me normal. As coisas, a vida, os afectos, aquilo de que somos feitos não merece acabar assim e de repente cairmos na escuridão profunda dos tempos e acabarmos feitos pó, sem memórias, sem passado, sem presente, sem nada. O afecto, só por si, não nos deixa acabar feitos esqueletos sem história. Ficamos nos corações dos outros e os outros ficam no nosso coração. O afecto que nos junta é prova de eternidade. Essa é a nossa eternidade. As palavras, as conversas, os risos e as cumplicidades, as alegrias e as tristezas fazem parte de uma ordem maior, subtil, muito mais fina e imensa do que uma caixa de madeira que desce á terra e nos remete ao esquecimento, ao nada. Eu sou adolescente, Mário Crespo. Acredito que sou uma gota de água, sim, e que no fim talvez tenha essa sorte e alegria imensa de me diluir e descansar para sempre no meio do mar imenso, afinal o mar onde molhei os pés desde que me lembro, onde nadei toda a minha infãncia e juventude, o mar que me ia engolindo várias vezes, das ondas altas de Outubro que me fizeram tanto medo. Mas afinal sinto que é ali que pertenço e que vai ser bom deixar-me diluir lentamente e juntar-me a todas as memórias de todos os tempos, para sempre.

1 comentário:

  1. Adoro! eu também prefiro o alento de me tornar uma gota de água, e ir parar ao fundo do mar... É uma ideia muito mais pacífica e no fundo, no fundo... O mar é-nos tanto! Beijinho Ana *

    ResponderEliminar