domingo, 5 de junho de 2011

Aventuras no piscinão

saio com uma amiga para votar, descemos lentamente a rua da Esperança, um nome lindo para se dar a uma rua, a uma filha, a um projecto, não sei, está calor e nestes Domingos quentes é bom conversar descansadamente rua abaixo e eis que entramos no lugar dos votos. Mesas, pessoas e papel. Aí vai ele, o meu voto. Muito gosto eu de votar. Hoje, sabe-me a amargo, este voto quase inútil, que cai numa caixa sem fundo, sem projectos, sem esperança, de repente, se me puser a pensar no processo fico meio morta de tão cansada porque sei que não há força suficiente para mudar nada. Não gosto de tiradas pessimistas mas imagino-me do tamanho duma formiga a empurrar um planeta que pesa chumbo até à eternidade. Melhor é votar na minha vida e na das pessoas de quem gosto. De volta, decidimos tomar um pequeno almoço descansado, sentadas, num café da «esquina» que não é de esquina, e assim foi. Mal tinha posto um pézinho no degrau da entrada e eis que me acena um braço amarelecido, o que me preocupa logo. Egoísta, fria e má. Atrás do braço vem aquela carinha toda pintada de fresco, com umas pestanas impensáveis, longuissimas, o cabelo com riscas roxas entremeadas com castanhas, armado como uma rocha que nunca estremece, o baton castanho a brilhar, os óculos quadrados, a roupa cheia de cor....Começa a acenar freneticamente, há poucas mesas livres, eu e a minha amiga olhamo-nos preocupadas. Era só um pequeno almoço descansado, uns dedinhos de conversa. E a dona do braço:«Ana, Ana, Ana, Ana.......». Tarde para recuar e também não há muitos cafés abertos. Velhacas, vamos ao balcão pedir os cafés enquanto olhamos rapidamente em volta à procura de um lugar vago. «Colamo-nos» a uma casal numa mesa dupla e bebemos o café afundadas na chícara, na esperança - outra vez a maldita esperança - de dissuadir o invasor. Eis que ouvimos uns passinhos miudos e arrastados, e aí vem ela, de moldura de retratos na mão, muito contente: «adivinhem quem é?». Terror, conheço-a há anos e anos e esqueci-me do nome. Este medo é disparatado, é culpa pura. Aponto a medo para a fotografia da esquerda e ela diz que «sim, sou eu..». E do outro lado? «o homem da minha vida...», diz com ar intenso. Quando lhe ia a responder «o seu marido», ela adianta-se. «O meu filho, um homem que sempre foi lindo e se aqui estava lindo, agora está cada vez mais bonito». Ah pois. Já me lembro. Detesta a nora, que «é má, má, má». Ya, belo Édipo, dona Flor, desgraçado do puto, o que havia de lhe acontecer. O marido morreu, a nora é má, o filho «é um santo», as netas têm medo da avó. Nada mais «prático» do que uma boa teoria. É chapado. O filho único e lindo, fardado de oficial da marinha, estraçalhado entre duas mulheres sem um pai que o proteja. Se é que algum dia o protegeu. Vicissitudes, dizem, vicissitudes. E ela continua: «jornalista, como eu gostava de ter sido jornalista!». Calculo, acredito profundamente e lamento-a. «Mas a minha mãe proibiu-me, e eu desisti do que mais gostava». Eu a a minha amiga olhamo-la contristadas, em silêncio. «Ou então..», continua...«ai...como é que se diz? agente secreta da Judiciária». Percebo-a bem, respondo. É verdade. também era um dos meus muitos sonhos delirantes «do porvir». De novo as vicissitudes. Levantamo-nos ás arrecuas, pagamos, dizemos-lhe adeus, «um bom Domingo....dona....». Grita do fundo: «Votaram bem?». Muito bem. Bom Domingo!!!!! E para si também.
Olhando para o meu irmão no piscinão, tão novo, tão contente, entre as rochas e o mar, penso nas vicissitudes que nos trocam as voltas e surpreendem, e o que era para ser já não é, e o que não era para ser, acabou por se instalar. Por enquanto. Se quisermos, nada é para sempre. As vicissitudes entre o piscinão e o mar podem ser uma grande ajuda e obrigar-nos a encontrar o caminho, com unhas e dentes antes que seja tarde. Antes que as noras nos odeiem, antes que as netas tenham medo, antes que o sol se ponha para lá do psicinão.

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