segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Espera por mim: faço-te um jantar sem angústia

Dentro e fora de nós estalou uma guerra com mil caras. A guerra de dentro é surda e não tem eco, a de fora é confusa e aterradora. Entre o dentro e o fora muita coisa acontece, e às vezes a guerra de dentro mistura-se com a de fora, e aí é o caos.
Mas eu gosto deste mundo, já o disse e repito. Não sei porquê mas as épocas dificeis encantam-me,  as guerras podem ser   mortiferas mas também estimulantes - desde que haja serenidade lá no fundo das almas que são vulcões, e desde que o vulcões estejam controlados, ou seja, desde que entre outras coisas «o principio da realidade» se verifique e seja aceite, e que haja estrutura e paz quanto baste dentro de nós. Tendo isto, temos condições para surfar no mundo difícil como este em que vivemos, este tal planeta que rola na noite em direcção não se sabe muito bem a quê, e no qual às vezes doi viver. Doi mesmo.
Nunca fiz estudo cientifico a sério sobre qualquer estado das coisas (na verdade não tenho provas estatísticas seja do que for, a não ser alguns números exorbitantes sobre economia que já me enjoam)  mas tenho a sensação - exagerada? - de que... --  há choros e lágrimas e suspiros um pouco por todo o lado, e de que há uma vaga sensação de que se caminha á beira do abismo, de que se quebram correntes nunca antes quebradas. Promessas, garantias, certezas, coisas sólidas caem com estrondo no chão. Para trás, fica a desolação.
O vazio não aguenta. Isto sabe-se, é uma certeza. Não queria  falar de vazio assim sem mais nem menos porque parece petulante.  O que é vazio,pergunta o menino á sua mãe, com ar ingénuo e intrigado. Vazio?, repete a mãe, pensativa.... num xei meu minino. Vazio é um lugar que não tem nada por dentro. Um lugar onde nada cresceu, um lugar seco como aquelas flores que crescem na areia, que eu apanhava no Baleal, aquelas flores azuis claras acinzentadas, tipo veludo seco, com um cheiro especial depois de esmagados os caules. Não, não têm a ver com o vazio. Têm mais a ver com a sobrevivência. Secaram para sobreviver ao ar do mar que as mata. Secaram para enganar o sol. este vazio de que se fala é outro, é um lugar onde nada cresce. Porquê, não sei ao certo. Ou seja, sei mas agora não há tempo para falar disso. Dentro das pessoas há este vazio onde nada cresce mas é proibido culpar o outro porque tem um vazio dentro. Ele está lá porque sim, porque se foi criando, crescendo, porque se organizou em volta de um qualquer sofrimento longínquo, de que já ninguém se lembra, de um sofrimento que se nega e não vale a pena falar agora do sofrimento. Agora não há tempo para se falar sobre sofrimento. Interessa, sim, observar o vazio e ver o que ele faz á vida das pessoas. Seca-as. Tira-lhes o sentido, e todas as manhãs é difícil levantar da cama e sair, porque o vazio ocupa um lugar tão grande que se torna pesado.
Tenho uma amiga que todas as madrugadas se senta na cama com o coração aos saltos e que luta com a angústia como se ela fosse um homem perigoso, um assaltante sem coração, que se lhe atira ao pescoço e com quem ela luta até ficar exausta. Ultimamente, ela comprou umas luvas de boxe para lutar melhor, para se defender das investidas do dito. Assim, acorda sobressaltada - tal qual a noiva do Lars von Trier, que boia de costas no lago, de olhos muito abertos - e espera o ataque que vem da sombra e..záas, ele aí está, e ela calça as luvas rapidamente e senta-se na cama, corajosa, e luta e luta e finalmente ele vai embora, e ela fica ali a tremer um bocado e depois começa um novo dia (não, não és tu, T. Somos nós todos).
O oposto do vazio é uma coisa quente e sem nome, que nos enche de uma alegria qualquer, uma coisa que foi regada e lentamente construída. Essa coisa quente é feita de muitas partes, milhões de partes como peças de um puzzle que fomos pacientemente colando à medida que o tempo passou. Criámos laços, coisas de carinho e cuidado, coisas de atenção e escuta. Simplesmente escuta silenciosa, atenção e construção de pequenas pontes que se vão lançando em direcção ao outro. Não é preciso muita conversa para se lançar pontes de afecto. basta olhar e ouvir. Escutar em silêncio que acolhe, com os olhos abertos como janelas grandes para um espaço maior, onde não há vazio mas plenitude de cuidados.
Por mim, gosto de juntar amigos á volta de uma mesa grande, bolonhesa, vinho tinto. Estar perto dos outros não é difícil e esconjura medos e angústias. E depois, mesmo em sonhos, podemo sempre dar um passeio imaginário á beira mar, no areal plantado em cima do Atlântico.

2 comentários:

  1. ana querida, gosto muito que gostes muito. Fico contente, sei que é verdade porque nós somos assim, conversamos e conversamos e conversamos horas a fio e é sempre muito fácil, rola bem, é um fluxo que não pára. e depois ainda há os risos. muito nos rimos nmós. e é isto precisamente que dá sentido a nossa vida. e esconjura as angústias e as luvas de boxe.
    ana

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