quinta-feira, 12 de março de 2020

domingo, 12 de julho de 2015

12 de Julho de 2015
Um ano e picos sem escrever e eis que volto à vida. Cheia de alegria, amor e raiva. e contentamento, e sentido de um novo poder, que os deuses me perdoem. Acho que é tempo de agradecer a todos os meus amigos que estiveram comigo nestes últimos dois anos, em que me deram a mão para eu poder atravessar mais uma longa ponte da vida, daquelas pontos que nos separam dos outros lados da vida, da terra e do céu.
O passar dos anos, o atravessar das pontes e túneis, sem perder de vista aqueles a quem amamos de verdade é a maior das dádivas.
Aprender, passe o convencimento, é o cimento estruturante da vida. é como beber um copo de poção mágica todas as noites, todos os dias. Aprender a ser gente, aprender a dar sem pedir em troca, aprender a ser tu, sendo, simplesmente, é o sangue da vida, aprender a dizer «adoro-te» é quente e doce, aprender a dizer «sai e cala-te porque me fazes doer a cabeça e não me interessa» é a maior das conquistas.

Perder o medo de ficar só, ou seja, poder finalmente ficar só, à la Winnicott, um dos grandes amores da minha vida, é a maior das conquistas - falo por mim. Só se pode ficar só se se está pleno por dentro.
Perder o medo de pegar numa vassoura e varrer o lixo que se acumulou nos cantos da nossa casa interior aos longo dos tempos é também a mais leve, fresca e libertadora manobra que podemos levar a cabo.


Perder o medo de escolher, outro milagre.´
Perder o medo de perder, mais um milagre.
Perder o medo de abraçar, outra alegria imensa, conforto eterno. Perder o medo de sermos nós, o tal Self cristalino que parece que temos guardado dentro de nós até que um princípe nos acorde e nos incite a usá-lo com orgulho, é a liberdade em todo o seu esplendor.
Abençoados os livres dos ódios, dos bloqueios, dos esquemas, das palavras ocas, dos pensamentos inúteis é poder subir às levezas do espaço.
Aqui sentada, de onde estou, com árvores e rios á volta, posso olhar para baixo, para o mar imenso e ver as casinhas , as igrejas, os caminhos, os riachos, as pessoas pequeninas, lá em baixo a passar. para onde vão? Quem as incita a andar?
Quem mandou mudar a nossa vida por desespero? A tranquilidade, a estrutura, a maturidade, deveria permitir-nos escolher, pensar, planear e supor as consequências dos nossos actos.
Todo este palavreado não exprime nada mais do que a alegria de voltar ao meu «procurem no fundo». Sempre.









quarta-feira, 1 de janeiro de 2014



Chego ao fim do ano como quem chega, por fim, à outra margem do rio, assim como este coelho (que nada tem a ver com o outro, porque este é um digno coelho branco e corajoso e o outro... nem vale a pena falar do que não existe a não ser na nossa mais negra e triste imaginação. Ou será realidade? Não....), dizia eu, assim com este coelho surfista está prestes a bater na areia segura depois de tempestades e ondas grandes.
À noite, antes de dormir, medito. Tento meditar, virada para a janela, e a verdade é que resulta. Á noite, embrulham-se os pensamentos, memórias, planos, planeamentos, obrigações, balanços do que falta fazer, do que já fiz, do que não consigo fazer.

Interrogo o futuro o menos possível. E esta minha nova condição, uma entre uma lista razoável de novas condições, é uma aquisição preciosa para mim.
Acho que foi o ano da aprendizagem (ainda que nunca definitiva, porque o melhor das aprendizagens é, justamente, nunca serem definitivas). Acho que fiquei mais sensata, passe a arrogância da coisa (não gosto de auto-elogios, talvez seja modesta de mais). 
Diria que neste ano tão quente, em que sinto que se acaba um ciclo e em que outro já começou, cresci, envelheci ou amadureci, conforme se queira. velhas e dolorosas questões voltaram, mas de uma maneira estranha, bizarra, porque houve dor mas não violência, tristeza e cansaço mas não desespero, derrotas que se transformaram em vitórias. 
À beira da morte, mas mais viva que nunca. Ou se se quiser, nunca fui tão feliz, no maior dos desesperos.
Quando subo as escadas de pedra, de manhã, há luz em todo o lado. O Sr. Moura levanta-se da cadeira e invariavelmente dá-me um grande abraço, coisa bizarra se atendermos ao lugar onde isto se passa, no meio da autoridade instituída e das fardas, há sorrisos cúmplices, parece a revolução dos cravos, espingardas e flores, eis do que se trata. Mais um lance de escadas de pedra polida, mais sorrisos, conversas curtas, mais escadas, mais um café duplo e as confidências sentidas sobre a mãe da Anabela. Depois as colegas-camaradas das fardas azuis, que inocentemente sorriem e desesperam porque os salários não chegam. Mais escadas, e estou no laboratório. Aqui tudo se passa, da loucura à ternura, da grande comunicação ora em silêncio ora em gritaria, dos poemas da Sophia. 
De noite, quando todos já saíram, decido-me finalmente a entrar nos corredores a perder de vista, a corre-los todos até chegar exausta à porta da rua. Se a missão foi plenamente cumprida, sinto-me uma rainha cansada, exausta, mas uma rainha.
por causa desta e doutras condições, por causa de um verão longo e quente em que muito se jogou e que muito se perdeu (mas não a face) aprendi, naturalmente, aparentemente por magia, coisas tão importantes como não interrogar o futuro. E aceitar o sofrimento como fazendo parte da vida (tão simples! nada mais que o velho e sábio princípio da realidade do fabulosamente sábio Freud!). Simples e extraordinariamente eficaz, mas admito como pode ser horrivelmente difícil de aprender e viver.
 Humildade e verdade, mais princípios simples mas complexos, leves, mas muito pesados até que se integrem, e outras coisas mais, todas deste género, pequenas mas grandes verdades de almanaque, mas o extraordinário é que são tão fundamentais a uma vida mais inteira e intensa, como respirar. 
Olhando para trás, até hoje, dia 2 de janeiro, o melhor foi o afecto. A compaixão, a ternura, o amor. sem sentimentalismos, são a grande rede das nossas vidas. Agradeço do fundo do meu coração a todos os que me apoiaram, ajudaram (às vezes sem uma palavra, mas com atos fantásticos de generosidade e confiança), a todos os que me ouviram e a todos os que me contaram,  a todos os risos e a todas as lágrimas, trocados, partilhados, ouvidos e sentidos, a todos os que me ensinaram (com palavras e sem palavras, pelo exemplo vivo da generosidade e alegria), a todas as perdas ultrapassadas e transformadas de novo em vida (em nova vida), a todos os que me ajudaram a chegar um pouco mais fundo e mais longe dentro de mim e dos outros. 
A quem que disse adeus, mas que sei que vão voltar, eternamente, de todas as formas, e que estão, em mim, presentes. Às incríveis transformações do amor, que segue caminhos insuspeitados, que faz curvas, que sobe montanhas e desce aos infernos, mas que por ser tão verdadeiro, sobrevive sempre, mais forte que nunca.
A ti querida Mónica, «Entre-mãos» e a sincronicidade. Como sempre, hoje foi um dia de surpresas boas. Li a Mónica e falei com a Isabel Blue. e a Isabel, mandou-me este texto:

"Não chores pelo que perdeste, luta pelo que tens. Não chores pelo que está morto, luta por aquilo que nasceu em ti. Não chores por quem te abandonou, luta por quem está contigo. Não chores por quem te odeia, luta por quem te quer. Não chores pelo teu passado, luta pelo teu presente. Não chores pelo teu sofrimento, luta pela tua felicidade. Com as coisas que nos vão acontecendo vamos aprendendo que nada é impossível de solucionar, apenas sigam adiante. "
Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco.

Não chores pelo teu sofrimento (só ás vezes, e dessas vezes, chora muito, chora o mais que puderes), luta pela tua felicidade (luta sempre, luta sempre e sempre, mas podes descansar de vez em quando e dormir grandes sonos debaixo de uma árvore de grande raizes). Ele disse isto e outras coisas fantásticas!O papa Francisco disse que o neoliberalismo era a razão da nossa crise, pobreza e injustiça social. Ele disse isto. Com todas as palavras. Não finjam, por amor de Deus, não finjam que não ouviram.











domingo, 25 de agosto de 2013

25 de agosto de 2013


lua cheia, lua cheia, lugares e desgostos, surpresas e estados de choque.
Entre o turbilhão, esta necessidade de um panorama de fundo, uma viagem rápida ao passado até agora, como uma super viagem interplanetária, viagem na máquina do tempo e aqui estou. Tudo se passou rápido e tudo faz sentido.
Então nasço num fim de tarde que imagino frio, em estado de aflição numa correria do Tramagal para Abrantes. Nunca explorei esse bocado da minha vida, a minutos de entrar no mundo do oxigénio, de ver a luz do planeta terra, numa aldeia perdida algures. E sim, quando tirei o capacete do liquido amniótico e me livrei da peles sangrentas da placenta, os «meus olhos foram sugados para o espaço», como dizia o astronauta boneco dos filmes dos meus filhos pequenos, que eu tanto amava. E eis que deve ter sido na maior aflição. Uma correria angustiada para o hospital. eu eu? aos tombos num útero contraído, aterrorizado e distraído, para não dizer hostil.
Porque agora sim, de longe, pela primeira vez, neste quase ultimo virar da minha vida, já consigo imaginar e reconstituir de longe o ambiente, o contexto, a tensão, o medo e a ansiedade desencabrestada desta minha família de doentes emocionais.Fazê-lo ficou subitamente fácil, e preciso é uma dose eterna de paciência e refazer todo o caminho como se tricotasse um cobertor eterno, eternamente. 
Até onde foi a dor e o abuso é o que menos interessa agora, isso seria pegar no bisturi e não é disso que se trata agora.
Assim, nasci e puseram-me a dormir no alto de um berço de um pé só que, como me contaram, se virou a meio da minha primeira noite por impulso da minha avó que tanto me amou, de maneira doente é certo, ou seja - sem esconder o seu lado depressivo de mim. Não sabia que isso fazia mal às crianças. assim, afogava-nos em pânicos, pessimismos e medos. Revoltas,tristezas e queixumes,  também. E sim, lembro-me que ela acordava angustiada. com um cão a saltar-lhe à garganta. Também tenho um cão desses- chama-se Fiel, em honra do cão perdigueiro do meu avô.
Passou.
Pelo que vejo nas fotografias e à medida que fui desenterrando as minhas hidras em lugar adequado, não fui «feliz» na minha infância que em vez de ser dourada foi escura, foi sombria, foi...como? Lembro-me do mar e da areia e das rochas como lugares de euforia silenciosa, deliciosa, tranquila e quente. Essas são as minhas melhores memorias de sempre e pergunto-me em que pensava eu nessas alturas, cujas memórias eu acordo agora tão facilmente. Pensamentos de calma e surpresa, lembro-me do roncar do avião à hora da sesta, e da felicidade imensa que isso me causava antes de adormecer perfeitamente feliz. 
Vejo-me a andar na varanda do hotel, o meu pai chama-me da janela e tira-me a fotografia de que eu mais gosto. Eu, no meu vestido azul escuro, tão em sossego, o mar por todos os lados, o cheiro das algas.

Passaram turbilhões de anos, aos altos e baixos, como um carrossel imprevisível. cheia de pensamentos desordenados. Às vezes sentava-me e escrevia e ainda hoje me surpreendo quando vejo que alinhava duas ideias.
Depois veio o tempo melhor. os filhos que eu julgava que nunca iria ter. as fraldas, o leite, as conversas e a pele quente macia dos seus corpinhos e o seu olhar. quando me olhavam, inocentes, transparentes, com aquela transparência divina que as crianças têm. Quando olham para nós trazem todas as memorias do universos, trazem milhões de anos de amor, de esperança,. de confiança, de saber e de curiosidade.

Não é o amor dos pais que é incondicional, que ideia mais estupidametne feita. O amor dos pais pelos filhos está inevitavelmente poluído pelas suas longas histórias sombrias. Incondicional e total, e verdadeiro é o amor dos filhos pelos pais. esse sim, é o mais incondicional dos incondicionais. 

Hoje, o melhor que o olhar me dá são as crianças que pululam na cidade.

São pequenas, umas magrinhas, outras mais gorduchas, os chapéus, as sandálias, as perninhas que andam assim, como se pisassem Vénus ou Marte, com cuidado e espanto. E os olhos, o olhar que erguem para os pais, as tias, as avós, os irmãos mais velhos. perguntam, solicitam, confiam, acreditam.- Muitas vezes choram de espanto e dor quando levam um estalo sem saber porquê ou porque não. 
às vezes vão tristes, de noite, cansadas, elas com bonecas, elas com carrinhos ou bolas a fingir. Vão cansadas porque os pais não se importam que seja tarde, e não lhes passa pela cabeça que elas precisem de colo.
Têm olheiras umas vezes, outras vezes riem-se e brincam com os irmãos.
Uma menina gordinha anda de patins a alta velocidade em frente à Assembleia e os polícias sorriem.
Ontem, na esplanada ao lado do ISEG, ao sol quente de Agosto, duas irmãs vestidas de igual brincavam com a mãe.  Faziam um jogo e a mãe fingia que era um robô. andava como um robô, e as miúdas riam. E a mãe atravessava o jardim e andava como um robô. e elas chamavam-na de longe e riam.  
Passou tanto tempo.
passou tanto tempo. Passou tanto tempo e agora vamos virar uma nova curva da vida.









sexta-feira, 3 de maio de 2013

Uma nau no fundo do céu


Não costumo ver muito o meu irmão, não vive perto, foi para longe, o miúdo. Veio a Lisboa por via das naus, e aí está ele, microfone na mão, e nós, irmãs, encantadas, a vê-lo «evoluir» no palco, como se diz. E ele evolui bem, diga-se de passagem, isto é, parece que nasceu - e nasceu - para falar num palco das suas naus bem amadas. Poderia ser sobre uma coisa qualquer porque ele tem o dom da palavra. Lindo, o dom da palavra. aquela forma mágica de lançar palavras, encadeá-las, fazer rir a plateia que está presa delas, fazer uma declaração de amor a uma senhora que o escuta e o elogia, sentada nas filas da frente. A senhora tem olhos de águia, é bonita no seu cabelo branco e também ela solta na palavra, descontraída, inteligente. Continua assim um «namoro» antigo, trabalharam juntos e admiram-se. Sentadas a unas metros, as manas encantam-se. Por momentos, sonho estar também em cima do palco, com ele. Narcisismo, diz-me a minha irmã, fantasias de narcisismo. Pois. Temos todos um quê de narcisismo, temos muito mais coisas, é certo, mais dinâmicas complexas, tortuosas, sombrias umas, frescas outras, temos essa mania de fazer inventários de memórias, agora mais do que nunca talvez porque os anos passaram tão depressa que, de repente, muito das nossas vidas já é «história». Uma história simples, como a de toda a gente, mas animada de dramas verdadeiros e muito entusiasmantes.
Com a idade passei a gostar deste nosso lado emocional que vira mesas com raivas, ódios, amores, gritos, risos, ranger de dentes, lágrimas, arrepelar de cabelos e gargalhadas de vampiro, histéricas, tipo explosão de granadas de mão num exercício de prazer inegualável. Quando nos vemos ao espelho vemos uma família mista de ciganos, mexicanos e italianos. Muita pimenta e muita lágrima, muita intensidade.
Temos, vejo com alegria, um grande pendor para a viagem analítica. Desculpem, mas não sei viver sem esta palavra e não é arrogância nem assomo de intelectualidade. É paixão pura. Abrir o alçapão que nos leva à cave das origens ou subir as escadas para o sótão cheio de teias de aranha é a mais saborosa das aventuras. Gosto de chorar, acreditem. Nada melhor do que sentir as lágrimas a subirem do coração ou seja lá onde elas se escondem, até à garganta,e  de lá aos olhos, e assim afogar-me em soluços como se fosse morrer de desgosto apunhalante meia hora depois. Mas não, qual o quê! Depois de uma boa tarde de choro, o sono é pesado e doce, e de manhã, a minha pele brilha, perfeita. Deixei cair mais uma pele de serpente, seca e gasta, na curva do caminho.
Melhor do que chorar só mesmo rir até cair, e a isso, nós também brincamos muito: a ver quem ri mais.
Ora, como se manifesta o amor do meu irmão pela psicanálise, de que, secretamente e às escondidas, porque tem medo das minhas fúrias, se ri silenciosamente? - despreza-a um pouco, mas ele sabe, ele sabe de tudo, mas já se esqueceu que sabe. E tanto assim é que o gosto pelo caminho que o leva ao fundo de si mesmo foi o caminho das naus, das naus que nos levaram à Índia.
Acho graça ver, da plateia onde estou, a maneira como ele acabou por se dedicar á tarefa preferida da família (salvo raras e legitimas excepções): ir fundo, ir mais fundo, ver o que se esconde no fundo do mar, da água, da água  transparente e gelada do Atlântico, digamos... do Baleal, o ancoradouro das nossas almas de criança.
Foi lá que realmente aprendemos a mergulhar, é desse tempo que as minhas e as suas memórias nos vêm visitar. Ele mergulha literalmente ao fundo escuros dos mil mares por onde tem andado. E depois constrói naus em madeira imaginada, como se construísse a sua vida. Eu parti daquele cais romano numa enseada perdida no forte do Baleal. Ele gosta de canhões de ferro. Eu uso os canhões para imaginariamente disparar sobre a multidão. Ele refaz em 3D o mundo interior e complexo de uma nau. Pegou num fio e diz que vai seguir esse fio até à reconstituição da vida dos homens que navegavam na nau. Grandes planos, meu irmão! Refazer o barco da grande viagem, refazer os ventos que sopravam nas suas velas, atravessar o mundo e descobrir o segredo. O segredo de quem somos.
O meu irmão tem uma nave no fundo do céu que o levará à Lua. Em terra, espero que ele volte dessas grandes viagens e me conte tudo, enfim.